quinta-feira, 8 de maio de 2014

Caminhos Desconhecidos



Um velho amigo desce a rua
Velho mesmo, que a última vez que disse “olá”
Foi antes da chuva enamorar-se com o chão
Foi num passado d’outra vida, num pegajoso, gozoso, verão
Foi enquanto tocava um raro som de viola
Foi quando pensava eu, estar livre de toda ilusão
Quando fazia da vida bola de papel
E quando saltava eu de telhado em telhado
Em busca do lugar onde o sol se punha, afinal

Vou-me, eu, pelo acostamento
Foi-se, o velho amigo, por caminhos
Que desconheço

Eu mesmo sou velho, velho amigo
E sou velho amigo de todos os que já bem me quiseram
Em qualquer dia que o noticiário da TV ousou chamar dia
Em qualquer dia entrecortado por repreendas angustiantes da vida
Qualquer dia de céus de marmelada, correrias em gramados
E copos gelados de água;
E conversas desconexas através de cercas fantasiosas
E continuarei sendo velho amigo, a não ser que pare, afinal, o tempo

E não há de parar, o tempo
Não há de parar, apesar do esperneio
E não há de parar, mesmo quando do fim
E acompanhará ainda, esta velha Terra, depois do fim
E não parará nem mesmo quando doer
Nem mesmo quando a estaca, incrustada em qualquer coração,
Sentir o férreo sabor do sangue
Será que haverá, ainda, tempo?

Será, ainda, que haverá termo para o que esmaga
E justiça para com os injustos
E coragem aos frágeis e subjugados?
E surgirá aquele que explicará, palavra por palavra
As vozes das cabeças dos homens;
E as imagens infrutíferas das cabeças dos homens?
E haverá homem para justificar os erros do homem?
“Oh, meu filho, tudo são indecorosidades sinapsosas
“Trata-se apenas de incontudenciações marxisológicas
Mande-me mais palavras, quem sabe assim não me torno,
Eu, o mestre delas?
[E os minutos de vida vão escorrendo]

Eu continuo a observar, de qualquer topo imaginário de edifício
As conversações tolas, abaixo, sobre toda sorte de coisas
E aquela baixa parte de mim diz-me: “veja lá, quão tolos!”
E aquela alta parte de mim diz-me: “ora, deixe-os!”
E qualquer outra parte de mim declararia guerra
- E ganharia guerra – para estar lá embaixo
E para discorrer despreocupadamente sobre tolices
Enquanto dança, o cosmos

Mas meu espaço é esmagado
E minha cabeça prossegue sem janelas
E retém-se à mudança, e retém-se ao regresso
E afasta-se do chumbo, e abomina a ferrugem
E termina só – solitária cabeça sem respostas

Assim, observo os finais de tarde e os finais de ano
Observo os fins de semana e os fins dos tempos
E aprendo agora a tomar medidas da minha vida
Através de colheres pequenas de chá
E aprendo com as velhas senhoras das janelas de primeiro andar
E aprendo com as velhas senhoras que sentam-se à beira do rio
E aprendo com as linhas de trens e com os mares de pessoas
E com cada uma delas – com o empregado, com o doutor, com o aleijado
E com os jovens e velhos jovens sentados à mercê do frio
Com livros de bolso e bolsos vazios
Em meio ao cheiro de jornal e a lama que os sapatos deixam
Quando entram e saem das casas e das estações de trem
Quando vão embora, ainda enlameados,
Por caminhos tão desconhecidos quanto o é viver.