quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Utopia




Tentar não pensar é como um inconsciente pedido desesperado à mente: por favor, preciso desses pensamentos! Preciso deles tanto quanto preciso daquilo em que penso. Você não consegue ver? Eu consigo, e chega a ser tão claro pra mim, que a luz chega a cegar meus olhos já pesados pelo cansaço. Eu abriria mão de tanto... 


Não, não posso me deixar levar pela utopia... Eu trago meu pensamento de volta ao presente e tudo o que vejo é aquela velha solidão de tantos anos, uma música ou um livro companheiros; eu nunca quis ter muito. Não vejo diamantes nos meus sonhos; eles estão repletos de mãos, de toques, de palavras suaves. Eu vejo um mundo muito mais verde, em que não há paredes que nos dividem. Eu não preciso gritar, na tentativa frustrada de que você ouça do outro lado, mesmo sabendo das altas possibilidades de que minha voz ecoe e encontre somente o vazio como receptor, dissipando-se através da escuridão antes de que você saiba o que eu quero que você saiba. 


O que nos divide não são sentimentos: eles fazem nada senão nos ligar. O que nos divide é esse mundo violento, cheio de burocracias, regras esquisitas, distâncias intermináveis; ah, não é pouco que dói! A simplicidade morreu nas mãos de quem perdeu a capacidade de sentir. É tão certo o que sinto, mas a distorção e a estática do mundo fazem com que pareça errado. 

Isso é tudo o que posso ter? Um pedaço de chão numa cidade violenta? Um medo de fazer qualquer coisa... Regras,regras, e regras... Nem do meu próprio tempo, sou dono. 

Eu sei que é você. Eu sei que é em você que eu depositaria cada pequena esperança minha. Também sei que não haverá refúgios ou soluções. Se tudo da vida é assim, tão premeditado, por que me deixar nesta situação, senhor destino? Por que transformar a solidão imóvel neste terrível caos? Às vezes quero somente desaparecer; deixar de ser esta criatura indigente, prófaga, agridoce, sem muita alegria... Sinto-me um prisioneiro em mim mesmo. 

São tantas possibilidades as quais me obrigo a esquecer... Tanta evolução pra minha alma. Tanto poder de ver além do que os olhos são capazes... Eu não quero mais ser escravo do pensamento do que poderia ser, mas nunca será. Prefiro encarar o frio e o vazio; acostumar-me ao clichê das almas: a louvável solidão. O triste é que se perdem as expectativas de um horizonte menos lúcido e mais vívido; menos confuso e mais calmo. O triste é que os olhos procuram por sua imagem pelos arredores, e tudo o que encontra são estranhos. O triste é que eu terei que me acostumar a tudo isso. 

sábado, 16 de novembro de 2013

Vida Real


A vida real é bruta mesmo. Não há tempo para decorar monólogos ou ajeitar o cabelo. Palavras de amor quase nunca são respondidas com palavras de amor. Beija-se menos por amor que por acaso. A vida real não tem campos de flores, parques frios e silenciosos e xícaras generosas de café; às vezes nem copo de água tem. A vida real tem pouco de perfume e muito do cheiro forte do suor do trabalho pesado. Há muito mais rostos odiosos que sorridentes; muito mais pressa que apreciação. Há uma constante luta sangrenta por dinheiro, para qualquer lado a que se olhe. 


As perdas são tristes mesmo, e não há uma luz dirigente e maravilhosa para servir de guia; há só a vida continuando, mesmo diante do coração escoriado e ardido. Muito de conforto se nos tenta oferecer; mas pouco dele é sincero, e, ademais, pouco dele realmente serve. As feridas não cicatrizam de verdade, e cada passo seguinte é dado em função dos machucados anteriores. 

A vida real não é acompanhada por trilhas sonoras de magníficos pianistas, enquadrando cada nota perfeitamente às sensações, do júbilo à depressão. Não, há só um soprar tosco dum vento carregado de fumaça, as vozes das multidões inquietas, as buzinas irritantes dos carros na avenida... Nada segue o percusso direito. 

As pessoas morrem, e o que resta a fazer é chorar; chorar e não esquecer-se de continuar sem tentar cair. Quaisquer que digam em contrário, estarão ou caindo no erro da negação, ou caindo no erro do falso conforto. As guerras não cessarão tão cedo, e estamos fadados a ser expectadores das batalhas atrozes dos ardilosos e dos débeis, dos ricos e dos pobres, sem a certeza de que um dia haverá termo. 

 Na vida real, não há perdão verdadeiro; não há pombas ou coelhos brancos: há gaviões e serpentes. O caminho é só espinhos e pedregulhos; o horizonte é mal iluminado e incerto. Nós, humanos, errantes duma estrada de incerteza.