quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Isä en ole koskaan ollut

"...o trabalho de um homem não é mais que esta
lenta travessia para redescobrir, pelos desvios da arte,
aquelas duas ou três imagens magníficas e simples diante
das quais seu coração primeiro se abriu."
                                                               Albert Camus


Se me maravilham palavras novas, 
é que de muito antes as conheci
é que me queima o coração e faz fuligem das artérias 
é porque perco a mim mesmo toda tarde 
e conheço todas as letras do que me salvaria a alma 
Mas não sei como percorrer o caminho
A sinuosa estrada da cidade fantasma 
As mãos que me banham numa antiga lagoa purpúrea

Eu me deixo perder à noite, 
Mas dou de frente com o reencontro eventual
Quando me surge à vista um ou outro mágico personagem secular 
Quando entrego as mãos às cegas e penso em deixar-me conduzir 
E desta vez muito me aquece o pensamento 
De que finalmente tenha alcançado a magnânima virtual solidez 
De que me perdi todos esses anos só para que se tornasse mais belo,
o momento em que fosse, por fim, encontrado

Os movimentos das tuas palavras a mim acalentam
O vento que sopra aos raros cabelos de um enviado ancião
Anjos e demônios batalhando ao céu aberto, 
incessantes sobre dias e noites
Argúcia de um espírito que já conhece o seu alimento 
Lamentarei e chorarei baixinho pelos anos que, sozinho, 
me perdi por entre as altas relvas selvagens da solidão?
Ou aceitarei as asas que me ofereces para que eu, estonteado
Alcance e cruze os derradeiros céus? 

Só se teme a morte quando não se tem a sorte 
De deixar-se dormir encolhido e absorvido 
Pétalas duma doce brisa que extermina o cansaço 
Deixar-se viver fora do que aqui nos encarcera 
Através daqueles primos e tios e amigos todos 
Eles rodearão tua cama de moribundo
Mas que tentes não se deixar partir legando lágrimas
Que viverás ainda em cada pequena parte do mistério 
que é este vasto mundo [tão pequeno] 

Eu sentei-me à tarde e quase me deixei perder
A observar a imagem ensolarada de tudo o que sempre quis 
O deleite da simples possibilidade do impossível 
Meus anos de menino imberbe e esquecido 
Meu espírito como uma seta que à imagem aponta 
Minha garganta - conveniente fortaleza contra meu vagido
Flutuando e observando do alto da fantasiosa balaustrada 
Querendo, ainda, viver; Viver!

Viver, sim, para encontrar todos aqueles rostos 
E rostos novos e frescos todos os dias 
Os sobreviventes deste mundo, desviando das balas perdidas 
Da falta de amor, dos carros enlouquecidos das avenidas 
Banhando-nos das lágrimas dos bebês esquecidos nos bancos de trás 
Das lágrimas antigas duma história dolorosa que aqui deságua 
De lágrimas quaisquer que da dor universal se extrai 
Viver, ainda!

E ainda errar todos os dias [até que se acerte]
E cair todos os dias [até que chegue o dia de erguer-se]
E desejar impossibilidades, afogar-se em ansiedade 
Até que se descubram os mistérios do Fantasma
Se o Universo é mesmo infinito para as quatro direções 
Continuarei a percorrê-lo até que não tenha mais pés 
com que andar.  

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Ouso ou Não

Caem-me como luvas indesejadas
O pecaminoso pelo qual me repreendo 
A beleza e a sutileza que muito pouco sustento
O chão sob pés, que cansam mais todos os dias

Enquanto perco horas a me questionar
Se a mente fantasia mesmo pra preencher 
Doces e discretos lapsos temporais 
Se se realmente se toca o rosto de Deus
Quando se ouve à nona de Beethoven 
Se vou um dia aprender a deixar passar 
A viver de presente mais do que de passado
A desmascarar o futuro pela farsa que é 
A viver mais em minha própria vida do que nos versos
A repreender impulsos obscuros e mal cuidados 

Já não me assusta o novo, nem me ilude 
Já não passa do recém advindo vislumbre do próprio agora
Ilustre e augusto, como uma serpente 
Que se contorce através do seu caminho 
Em busca das fundações últimas do Universo
[E eis que termina por engolir-se a si mesma].

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Há?

E, sentada sobre o chão,
As pernas cruzadas e as indeléveis marcas de beleza
A moça disse com todas as palavras que não havia amor
[O calor das eras fazendo escorrer suor]
Enquanto raios de confusão lhe saltavam dos olhos
[Pequenas dores que hão de doer]
Vinte, ou trinta, ou quarenta anos
Milhares de anos e resposta alguma

Mas viu ela qualquer dia que no úmido ar do calor
Paira um distinto fantasma que com ardor nos cumprimenta?
Ela sentira saudades do irmãozinho, quando fora aos ares o avião
Nas suas próprias palavras, e ações, e lágrimas,
a mentira não se sustenta
E palavras descuidadas servem só para nos trair
No mais das vezes pouca coisa têm que significar

Eu cumprimento o fantasma em retorno e às vezes chego a me afogar
Eu sinto com todas as letras e vejo em todas as formas
A beleza que se contempla, o inevitável sal das lágrimas a rolar
[A mão pequena dum bebê; o fim de tarde em Santa Catarina]
A pequenez e vastidão concomitante dum mundo verde e plural
[Enquanto ameaçado e aprisionado pela tecnologia]
Uma road trip pelas estradas desgastadas e o beijo de uma mulher
O abraço de um homem e o som distante de risadas infantis
[Praias noturnas perdidas pelas mãos misteriosas da vida]

Viajo com as mãos e com os olhos, no sono e na vigília
Se o mundo é mesmo um campo de batalha, gotas de poesia vinga
Gotas de cerveja e pingos de sangue, que escorre das carnes mal passadas
Vislumbres de arco-íris que nos protegem como escudos do desconhecido
[O Desconhecido é só mais uma molécula no Eterno corpo da Noite]
Perfumes das ruas e das épocas - canções doces como a primeira palavra
[O extenso verão que não mais ousa ir embora - preâmbulos dum inverno pueril]
Ruas maltratadas, paraísos perdidos, proibidos - às vezes, esquecidos
Uma estória mágica e singular por esquina

O inevitável retorno à inocência no fim dum ciclo natural
As ondas estão se contorcendo todas na direção do oceano
[Talvez consiga dormir se simplesmente a mente desligar]
Talvez consiga, em meio de tanto sal e tanta água, presenciar
O alto mar, marinheiros perdidos que jamais chegaram a aportar
Afogar-se é mera consequência do imprevisível deslumbre
[Se não há amor em tudo isso, talvez tenha mesmo, afinal, enlouquecido]
E não é esse o fim de todas as coias?! Desejo, desejo, desejo

Desejo, os pés descalços sobre a terra
Desejo, [porque o vento é alto, acaba por me excitar]
Se o amor não é simplesmente desejar dissolver-se,
Talvez o possamos comprá-lo num plástico e redundante comercial
[Mas não seja surpreendido, se custar alto demais]
Eu conheço só o amor do qual escrevo
Eu conheço nada que não o desejo
Que mora em mim e faz com que eu seja quem sou
Que me atrai, me trai, me dá olhos com que ver

Se eu sobreviver, enfim, ao meu colapso,
minha catástrofe natural
A plenos pulmões e com todas as palavras cantarei
Rirei e chamarei definitivamente tolos àqueles
Que vivem vidas inteiras na companhia do Belo Fantasma
E nada dele percebem
Por ignorância, prepotência ou estupidez.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Universo Orgânico

Transcendência é nada
Num universo infinito e casual
Só um conjunto de pontes e portas 
As quais cruzamos, e que somem às nossas costas
E no final não havia nada mais, 
Somente pontes e portas

Reinvenção é continência 
Cautela para que não terminemos por esfolar 
Ou explodir estes milagres ambulantes
Da carne de que somos feitos
Passos, bocas, gritos, granadas, miolos 
Todas as vozes e voz alguma 
A todo instante, em lugar algum 

Amor é a mais avulsa das palavras 
É adrenalina, noradrenalina 
Feniletilamina, oxitocina, 
É serotonina e ilusão 
É alcançar a mão pequena dum bebê
São lágrimas derramadas 
pelas esquinas da história 

Eu, também, quero ser éter 
Mas tudo o que posso ser é fumaça 
Sou o que deixo de mim transparecer 
Pelo suor, pelo sangue que pouco sangra 
Pelo que digo e me deixo escrever 
Sou só o que lembro e o que consigo 
alcançar com os olhos e com as mãos

A Terra é o palco da minha tardia aventura 
O assovio dos ventos e o canto dos pássaros
são minha trilha sonora 
Às vezes penso despertar Gaia com acordes 
Mas ela apenas espia através de pálpebras semicerradas
Me lança um tênue sorriso de chufa 
E regressa sem palavra ao seu sono de beleza 
que já dura eras e eras. 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

αγάπη το τραγούδι

I - O que eu penso ter aprendido

De aforismos a passados esquecidos 
E sóis banhando a manhã quando o sono ainda não veio 
E lágrimas secas duma noite em que a beleza da separação apareceu 
Quando não advém, a beleza, a noite é só cinzenta e úmida 
Mergulho em sentimentos e pensamentos que, como sementes, cultivo 
E, como soldado, sobrevivo à guerra, às maldições e humilhações 
Como um fantasma chamado ontem que habita as profundezas terrenas
Como um doente olha para o resto da vida do leito branco de morte 
Jamais aprenderei a esquecer 

Ergo-me então e prometo renascer 
Mas minha resolução dura só até o momento em que o baque da porta me desperta 
Nuvens vermelhas ameaçam com chuva, lá fora, mas não chove nunca
O mundo se torna abafado, vermelho, olhos forasteiros a nos observar
O mundo além do arco-íris cabal e minuciosamente ocultado 
Goteiras mentais, o som da Entrada dos Gladiadores 
Eu encolhido numa cama no centro do mundo, devassado pela sorte dos destinos
Eu em meio ao prenúncio de boas novas que conto a mim mesmo 
Eu e a incessante busca pelos amores que eu nunca conheci

Me convenço da minha própria estupidez e me venço no repúdio 
Tanto pode ser que depois de tanto ver e sentir ainda quase nada aprendi sobre viver 
Quanto pode ser que finalmente encontro a estrada que me leva de fato a quem sou 
Mas a quem quero enganar? O erro perpetra e atravessa todas as esquinas 
O erro me acerca a ponta do nariz e me estapeia a cara
Enquanto eu, banhado e cozido no fricote, finjo-me de cego e anestesiado 
E se os dias estão aí para serem vividos mesmo, pergunto a mim e aos céus como
Como me livrarei da repetição, do cansaço, do entretenimento fácil e da solidão? 
Ha algo ainda por desabrochar que mais cedo que tarde me servirá como mola 
[raias de piscina olímpica, degraus, armação] 

Não, ainda não desisti do luzidio devaneio de me deixar escapar 
Pra algum lugar além do mar que separa o hemisfério norte do sul
Ainda não me convenci acerca de motivos que me deixem somente contente
No deixar-me ficar num país que me assusta mais do que eu o amo 
[Quantos abraços de lá valerão pelos abraços daqui?]
Ainda quero desafiar a lógica e procurar por rachaduras pelos muros dos lugares onde nunca entrei 
Sim, ainda desejo todos aqueles olhares e todas aquelas mãos 
E, se um dia eu conseguir entrar, sem dúvidas que serei tolo o suficiente para olhar pra fora e dizer:
"Eu era tão mais feliz quando não passava de um gaudério sem lar".  


II - Voltando pra Natal

Parte do meu espírito ficou em Natal 
E, lá, eu ainda ando sorrindo por aquelas ruas 
Mas deve não passar dum lugar normal 
Onde eu vi desabrochar qualquer amor de mim
E pensei ter, enfim, encontrado Pasárgada 

Mas, em todos os meus mapas do tesouro, 
O X sempre está em Natal 
Minha bússola aponta pro Norte
E, veja bem, o Norte é também Natal 
O dia de oásis sob o sol  
A noite de maravilhas 
Que só o próprio espírito 
É critério capaz de medir

Eu, caminhando em Ponta Negra 
Em qualquer paraíso esquecido e perdido 
Devoto de rei nenhum e dos deuses 
Reencontro de mim mesmo
Ninguém, deixando-se levar pelo deleite 
O artesanato, e as luzes, e a comida
E o mar 

Antes tarde que cedo demais 
Aos teus braços terminarei regressando,
Natal.