quinta-feira, 31 de julho de 2014

Qualquer Cidade (Natal)



O mundo gira como numa convulsão fatal
E a gente vai se fingindo de completo

Dizem que nem de tostão, nem de passos largos
Necessita o homem, para tirar férias
Dizem que basta que esqueça que é homem
E que se misture e voe junto ao vento que faz onda
Que afunde os pés na areia fresca
E matute sob o vapor sagrado que lhe beija as faces

Perdi meu espírito sob o sol
Pois que se pôs a vadiar pelas vielas contorcidas
A sentir os sabores do meio-dia
A ouvir os gingados herméticos das gentes
O suspiro de alívio pelos nascimentos
Os gemidos universais da transa

Perdi e não quero recuperá-lo
Pois que jamais encontrei lugar melhor
Que o eterno Lago de Luz, para perder-me
Para montar vigília e superar vida e morte

Aqui não se vai nem se vem
Nem se fala de Michelangelo
Aqui se sente o sol, autor de rachaduras
Se sente o sabor insofismável da carne
Deita-se e corre-se – canta-se e se deixa ir
Adora-se o suor...

O mundo gira numa convulsão fatal
E a gente vai se fingindo de completo

E quando eu cantar da beleza das coisas
Não mais de uma vez será necessário evocá-las -
As ensolaradas imagens da cansativa perfeição
As noites e madrugadas tão curtas,
Vividas como numa vida, bela vida sem termo
[Ainda ouço o som das ondas e me afogo]

E eu ergo a voz, e canto que o amor não está aqui
O amor não está, também, ali
Nem em canto nenhum!
Meu Deus do Céu, cadê o amor?
Fechem-se, os olhos, e nada mais
Sê, vive ou morre, existe ou não
E isto que chamam amor perdurará
E vos/nos trespassará – queiramos nós ou não
E nos afogará sem matar, enquanto o ser for ser

Enquanto as praias forem praias
E os vulcões, vulcões

O mundo gira numa convulsão fatal
E a gente vai se fingindo de completo

Quase musicais, estas minhas linhas
Olhem só para mim, ficando metalinguístico
Tentando transmutar em palavras
Todos estes sentimentos que são, em verdade, Um

E seja no céu azul das 4 da tarde
Seja na lua branca das 3 da manhã
Seja em qualquer das Américas, Europa ou Ásia
Seja água de coco ou suco de cupuaçu
Paira e pairará sempre esse fantasma fabuloso
E nos encherá a boca dum sorriso – e a cara duma brisa
Querendo sempre que ensinemos a nós mesmos
A iluminar os caminhos obscuros da vida. 

quinta-feira, 17 de julho de 2014

À Sorte do Tempo


À Sorte do Tempo

((A criação nasceu do tédio.
Um pequeno menino – poderoso o suficiente
Cansou-se da solidão eterna
E criou-nos para divertir-se
[Dizem uns que para amar-nos]))

                      I
Eu não colhi os girassóis cor-de-gema
Nem corri os campos eternos e milharais
Não beijei a mais bela moça da vila
Ou pedi-a em casamento
Quase nada fiz, e quase tudo há que se fazer
E eu, parado, olho para mim mesmo e digo:
Falácia!

Não corri os campos de Dublin
Nem chorei ao som do sussurro dos ventos
Não atendi ao chamado à minha alma
Tudo do meu legado são lamentos
Lamentosos sonhos do frio do inverno

Eu não segurei a pequena mão dum filho
Nem decidi chamá-lo Amadeu, Joaquim ou Mateus
Nem o ensinei a equilibrar-se na bicicleta
Não o vi deixar nossa casa, esboçando um desolado adeus
Na ponta dos dedos...

Não, eu não hasteei a bandeira
Nem com amor à minha terra servi
Não é que me falhe a memória:
É que tão poucas há,
Que tenho medo de descobrir
Que, enfim, não existi.

                         II
A morte é uma mãe indesejada -
Somos todos feitos de morte
Só não há morte onde não há vida
Do que fugimos, então?

É que temos medo, profundo e indizível medo
Do regresso aos braços afáveis
Daquele vazio eterno, sem sons, cheiros ou cores
O exato vazio que conhecemos desde o início
Mentira – Não conhecemos nada!
Só há vida quando há sensação.

                         III
Vagueio por uma memória
Como quem dá uma volta solitária
Num fresco bairro duma noite de verão
E faço o que faço nos sonhos: procuro pela casa
O lar perdido dos contos, belos contos antigos
O lugar que inspira poeta mais do que o faz o ópio

E, que são as memórias, senão bairros?
Uns claros e infantis,
Outros escuros, afastados, esquecidos
Que é um homem
se não o conjunto de suas memórias?

Sim, empenho-me na busca pelo lugar
Gente amada espalhando-se pelos cômodos
O cheiro – eterno cheiro do sabonete barato
O antigo violão derramando acordes no início da noite...
Memórias e presságios – pesares e amores sutis
(Como quem ama secretamente o pudim e a calda
E assalta secretamente a geladeira na madrugada)

Memórias: facas de dois gumes – sem cabo
Se não queres com elas cortar-se, não vivas

                          IV

Parece a mim que tenho cento e tantos anos
Vejo-me perdido num mundo jovem e pueril
Parece a mim que sou um estranho, velho estranho
Esquecido neste mundo por pura negligência
Forçado a assistir ao ininterrupto curso dos mundos
Forçado à terrível sina humana: a impotência diante das coisas

                            V

Se não pude, ainda, desistir
É que há laços que me erguem, tão sutis
Como borboletas verdes – vestidas de esperança
Que trazem nas asas o prelúdio das boas-novas
Dos abraços nunca dados, dos ombros nunca cedidos
Dos maus-amores prometendo reposição

Como desistir diante de tudo?
Como pode o pesar superar a beleza?
Ah, na alma adoecida, não há lógica nem cura
O homem torna-se mais dilema
Que o comum de sua própria natureza
Os fins de tarde revitalizam-no e entristecem-no
Perde-se entre dois mundos...

                          VI

Ainda não aprendi a dirigir
Que lástima! Ah, que vacilo
E tão fácil a mim parece
A mão nas alavancas, o pé no acelerador
Vrummmmm

Tomara que haja alguém
Que queira ensinar-me

                          VII

Perdi meu espírito pairando
Sobre umas águas cristalinas
Não sei nem qual o país!
Sei que o cheiro doce e meio frio
Enchem-no os pulmões
(E lá espírito tem pulmão!)

Perdi-o dentro duma canção
Que dizia que, no final,
O amor que levamos
É igual ao amor que fazemos

Voa lá, vai
E deixa o corpo cansado aqui
Não desperta nunca mais!
Vive a perenidade desses voos sutis
Não desperta, que tudo aqui são limites!
Voa teus voos sutis
Que não há nada melhor no existir

                          VIII

Sabes quando despertas
E és como a leveza do éter?

Já tentei descrevê-lo por verso,
Prosa, texto, artigo e redação...
Nada!


Talvez haja algo a mais, mesmo.
                       
                          IX

Liberta-me da minha liberdade
Dá-me as tuas mãos faltosas
Desses anos todos
Diz-me qualquer coisa de afeto...

Diz-me que não há pesar no viver
Que as coisas hão de se resolver
Que grandeza maior que o amor não há

Diz-me que o medo há de acabar-se
As viagens serão constantes
E haverá tempo pra contos e romances
Poemas, cervejas e todo o mais

Volta no tempo e vai buscar-me
Nas tardes amenas da escolinha
E ouve-lhes as palavras das tias
Ah, comportou-se como um anjinho!

Leva-me de volta para 2001
De volta praquele dia azulado delicioso
Que não terminou nunca, parece a mim
E parece a mim que haverá para todo o mais

Afagava-me os cabelos e fala
Até que no sono, por fim, eu caia
Até que eu não tenha mais
Medo de perder-me

Deixe-me ouvir-lhe o coração
Porque, até onde sei
Pode nem existir

                          X  

A vida é um grandioso dia
Meu sol assenta-se para o poente
A noite fria me aguarda
(Mas, mesmo que pouca,
Ainda lá há vida)

Entre correr, fazer as malas
Martirizar-se, fingir calma e tranquilidade
Entre viver vazio ou morrer de saudades
Eu prefiro ir escrevendo...