terça-feira, 21 de julho de 2015

Desapareço

Desapareço

Dissolvo no teu abraço
Como uma ínfima gota de nada
num vasto oceano de infinidade
[Your scent remembers me of
almost perfect and forgotten days]

Dizes-me que nunca foste mais tu mesmo
Do que o quanto és tu mesmo comigo
Que todas as tuas doces palavras
Eram tanto mais doces porque deveras
Querias nada que não a mim encantar
E tão pouco foi tempo que me pergunto
Se não te conheço senão há uns dois
- ou duzentos - anos

Mas são só poucos meses
Duma vida em que da própria vida
a mim me privei
[Ou do que quer que lá fora chamem vida]

Privei-me do todo e escondi-me nos detalhes
Nos cantos da tua boca que me sorri
E da valsa que dança em par com os olhos
Dum castanho onde bate a luz como
lustre num espelho

Escondi-me do mundo nos detalhes
do teu corpo
Nas curvas da tua pele morena que, morna,
No contato com minhas mãos gélidas,
Produz senão espécie de choque que
ainda mais nos junta
E a luz do sol que contra teu tórax
nu - transforma-o em paraíso
[sweet clouds to lay on]

Lá fora, o mundo é uma cadeia
De incessantes aconteceres e de
dias sem termo
A tarde vira noite e nosso tempo
vai-se esgotando
O sol ilumina a estrada que dá em
todas as cidades do mundo
Eu sinto tuas mãos quentes e, por abrupto,
já não preciso de sol nem de mundo

Preciso só dum lugar calmo e duma
dose de horas
Preciso d'algumas palavras e do
teu corpo - onde deito e me isento de dor
Onde me consertas e me preparas
Onde me acomete o sono despretensioso
Adeus, ansiedades; adeus, odioso tédio

Conduzo minhas mãos através de ti
Como se deve conduzir barcos em meio à maré
E deixo que me atravesse, a inocência
O tempo passa e já não me diz respeito quase nada
Que não a necessidade de a ti
conquistar em inteiro
E ao teu amor, e à tua atenção
Até que o fortuito ouse separar-nos.

terça-feira, 30 de junho de 2015

A vida é um fio de linho

Nada há nenhuma das coisas pelas quais 
Pensamos viver 
Têm todos os moldes a fragilidade 
da inexistência 
Todos os medos são só a lama que retarda 
Os passos em direção ao relvado
Sou eu com você o que nunca pude ser só
O que uma vida de múltiplas tentativas
De dedicação e meditativo silêncio
Nunca poderia me comprar

Amanhã é vocábulo de tolos 
Só o que me assusta é o afastamento 
Duma realidade tridimensional, a dor
Não retardes nosso amor - não retardes
Que não quero morrer sabendo 
Que não pude vivê-lo, podendo
Não, eu não quero morrer 
Noutro lugar que não em teus braços 

Uma legião de demônios a serem domados 
Um múltiplo mundo à espera de 
desbravamento
Mas, oh, todas as estradas têm 
a cor da tua pele
E como poderei viver diante da visão
do fim? 

Segura-me a mão nas tuas 
Não apontes em qualquer direção e digas
"É para lá, o caminho" 
Porque tua voz é guia minha 
E o caminho termina onde começa 
teu corpo 
E o mundo termina onde começa 
teu abraço 

Quero ainda todas as viagens, e cidades 
Quero todas as praias e hotéis contigo 
O calor do teu corpo e o sopro dos ventos 
do Mundo Novo
Não, eu não quero as promessas do futuro 
Nem justificações para o atraso

Abandona esse mundo agora 
Que é só um campo de batalha 
De insaciáveis gladiadores 
Em busca do que já encontramos. 

domingo, 15 de março de 2015

Advento de Março

Queimavam-me os olhos e me queimava o coração
A doce sina do cansaço e a invasão de novos amores
O encontrar-se inteiro em meio à solidão e às perdas insignificantes
Milhas e milhas entre corações – profecias e memórias sutis
A jornada sem atalhos com rumo às fundações do ser
mais profundo

Mesmo que me tenha doído a garganta
E que tenha, quase sem consciência,
aberto mão da estrada do sábado
Apaixono-me mais todos os dias
Pelas recém-advindas ondas de calor
O caminho em direção ao qual o destino a mim lançou
[O amor está no morrer dolorido, mas amando]

Ainda que um tanto me doa, pois que já quase não escrevo...
Já quase não me sento à tarde com uma melodia à mente
E as duas mãos em redor do violão
Já quase não paro pra pensar...

Mas os céus abrem-se à minha janela
[Ainda que emoldurado pelos intermináveis fios de energia]
O encontrar-se completo, quando já nada lá fora detém
a chave do meu espírito
Quando andar com vagar e amar cada um dos passos dados
vai-se tornando o comum
E viver intensamente é só um termo para tolos
É no viver com vagar onde resido
É também no existir puro - sem rótulos ou traduções

Eu sei que tudo isto pelo que vivo vai passando
O papel amarela e vira alimento pra fungo [eu recorro à tecnologia]
As crianças vão todas crescer e eu avanço em direção à idade desconhecida
O advento de todas as coisas as quais meu coração almejou
pelos últimos meses estranhos [segredos perigosos e redenções]
A vida dançando um novo ritmo de maravilhas

Já não me pesa, nem me dói
Meu ser nada duvida de que tenha encontrado amor
Pois que aprender a morrer é o fim último do homem na Terra
E encontrar amor é aprender a morrer.