A vida real é bruta mesmo. Não há tempo para decorar
monólogos ou ajeitar o cabelo. Palavras de amor quase nunca são respondidas com
palavras de amor. Beija-se menos por amor que por acaso. A vida real não tem
campos de flores, parques frios e silenciosos e xícaras generosas de café; às
vezes nem copo de água tem. A vida real tem pouco de perfume e muito do cheiro
forte do suor do trabalho pesado. Há muito mais rostos odiosos que sorridentes;
muito mais pressa que apreciação. Há uma constante luta sangrenta por dinheiro,
para qualquer lado a que se olhe.
As perdas são tristes mesmo, e não há uma luz dirigente e maravilhosa para
servir de guia; há só a vida continuando, mesmo diante do coração escoriado e
ardido. Muito de conforto se nos tenta oferecer; mas pouco dele é sincero, e,
ademais, pouco dele realmente serve. As feridas não cicatrizam de verdade, e
cada passo seguinte é dado em função dos machucados anteriores.
A vida real não é acompanhada por trilhas sonoras de magníficos pianistas,
enquadrando cada nota perfeitamente às sensações, do júbilo à depressão. Não,
há só um soprar tosco dum vento carregado de fumaça, as vozes das multidões
inquietas, as buzinas irritantes dos carros na avenida... Nada segue o
percusso direito.
As pessoas morrem, e o que resta a fazer é chorar; chorar e não
esquecer-se de continuar sem tentar cair. Quaisquer que digam em contrário, estarão
ou caindo no erro da negação, ou caindo no erro do falso conforto. As guerras
não cessarão tão cedo, e estamos fadados a ser expectadores das batalhas atrozes
dos ardilosos e dos débeis, dos ricos e dos pobres, sem a certeza de que um dia
haverá termo.
Na vida real, não há perdão verdadeiro; não há pombas ou coelhos brancos: há
gaviões e serpentes. O caminho é só espinhos e pedregulhos; o horizonte é mal
iluminado e incerto. Nós, humanos, errantes duma estrada de incerteza.
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