De aforismos a passados esquecidos
E sóis banhando a manhã quando o sono ainda não veio
E lágrimas secas duma noite em que a beleza da separação apareceu
Quando não advém, a beleza, a noite é só cinzenta e úmida
Mergulho em sentimentos e pensamentos que, como sementes, cultivo
E, como soldado, sobrevivo à guerra, às maldições e humilhações
Como um fantasma chamado ontem que habita as profundezas terrenas
Como um doente olha para o resto da vida do leito branco de morte
Jamais aprenderei a esquecer
Ergo-me então e prometo renascer
Mas minha resolução dura só até o momento em que o baque da porta me desperta
Nuvens vermelhas ameaçam com chuva, lá fora, mas não chove nunca
O mundo se torna abafado, vermelho, olhos forasteiros a nos observar
O mundo além do arco-íris cabal e minuciosamente ocultado
Goteiras mentais, o som da Entrada dos Gladiadores
Eu encolhido numa cama no centro do mundo, devassado pela sorte dos destinos
Eu em meio ao prenúncio de boas novas que conto a mim mesmo
Eu e a incessante busca pelos amores que eu nunca conheci
Me convenço da minha própria estupidez e me venço no repúdio
Tanto pode ser que depois de tanto ver e sentir ainda quase nada aprendi sobre viver
Quanto pode ser que finalmente encontro a estrada que me leva de fato a quem sou
Mas a quem quero enganar? O erro perpetra e atravessa todas as esquinas
O erro me acerca a ponta do nariz e me estapeia a cara
Enquanto eu, banhado e cozido no fricote, finjo-me de cego e anestesiado
E se os dias estão aí para serem vividos mesmo, pergunto a mim e aos céus como
Como me livrarei da repetição, do cansaço, do entretenimento fácil e da solidão?
Ha algo ainda por desabrochar que mais cedo que tarde me servirá como mola
[raias de piscina olímpica, degraus, armação]
Não, ainda não desisti do luzidio devaneio de me deixar escapar
Pra algum lugar além do mar que separa o hemisfério norte do sul
Ainda não me convenci acerca de motivos que me deixem somente contente
No deixar-me ficar num país que me assusta mais do que eu o amo
[Quantos abraços de lá valerão pelos abraços daqui?]
Ainda quero desafiar a lógica e procurar por rachaduras pelos muros dos lugares onde nunca entrei
Sim, ainda desejo todos aqueles olhares e todas aquelas mãos
E, se um dia eu conseguir entrar, sem dúvidas que serei tolo o suficiente para olhar pra fora e dizer:
"Eu era tão mais feliz quando não passava de um gaudério sem lar".
II - Voltando pra Natal
Parte do meu espírito ficou em Natal
E, lá, eu ainda ando sorrindo por aquelas ruas
Mas deve não passar dum lugar normal
Onde eu vi desabrochar qualquer amor de mim
E pensei ter, enfim, encontrado Pasárgada
Mas, em todos os meus mapas do tesouro,
O X sempre está em Natal
Minha bússola aponta pro Norte
E, veja bem, o Norte é também Natal
O dia de oásis sob o sol
A noite de maravilhas
Que só o próprio espírito
É critério capaz de medir
Eu, caminhando em Ponta Negra
Em qualquer paraíso esquecido e perdido
Devoto de rei nenhum e dos deuses
Reencontro de mim mesmo
Ninguém, deixando-se levar pelo deleite
O artesanato, e as luzes, e a comida
E o mar
Antes tarde que cedo demais
Aos teus braços terminarei regressando,
Natal.
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